No verão passado, eu escrevi sobre a emoção de colher cebolas. Uma delícia. Veja aqui.
Este ano fomos além. Plantamos as cebolas, os tomates, pimentões, pepinos, berinjelas, abóboras... e alho. O alho, como a cebola, é bastante usado aqui em casa. Eu e o Deva adoramos.
Nos últimos anos, o alho tem causado um certo impacto em pessoas das nossas relações. Isso porque em um ciclo de sustentabilidade que realizamos em empresas fazemos um exercício que convida a dar um zoom mais atento aos padrões de consumo.
No exercício, a turma é dividida em grupos e convidamos cada grupo a desenhar o ciclo completo de vida de um determinado produto, desde sua origem até seu retorno a esta origem (se é que ele é possível). Trabalhamos com produtos mais complexos - como lata de achocolatado - e produtos mais simples - como o alho.
Normalmente, o grupo que pega o alho acha bem fácil, afinal... terra, transporte, armazenamento, transporte, supermercado, transporte, casa, comida, esgoto... Mas, olhando com atenção o rótulo do alho oferecido, o que parecia óbvio deixa de ser.
Isso mesmo, o alho que entregamos para o exercício vem da China. E isso não ocorre porque escolhemos o pacotinho a dedo. E, sim, pelo fato de que a maioria do alho consumido no Brasil é importado. E do volume importado: parte vem da Argentina, parte da China. Basta olhar com atenção as etiquetas nas gôndolas dos supermercados.
O governo de Santa Catarina tem apresentado os números e a realidade atual imposta. Coloco isso para frisar que Santa Catarina tem um grande número de produtores de alho que estão perdendo espaço para o alho Chinês. Se Santa Catarina é aqui do lado, por que nossos supermercados nos oferecem alho importado? Estranho esse tal ser humano.
Coloco aqui um link para quem quiser aprofundar neste assunto. São os dados de importação de alho do ano de 2010 gerados pela ANAPA – Associação Nacional dos Produtores de Alho.
http://www.anapa.com.br/principal/images/stories/importacoes/importaes_do_ano_de_2010.pdf
Trechos importantes que retiro do texto:
- “Novo recorde de importações de alho no ano de 2010”
- “Ano após ano a China está aumentando sua participação na demanda de alhos no Brasil.”
- “A preocupação sem dúvida é em relação a China que domina o mercado mundial de alho e segundo informações extra-oficiais, indicam aumento na área de cultivo. O incremento na área de plantio na China pode causar uma oferta a mais no mercado de algo como cem milhões de caixas.”
Com o aumento de participação do alho chinês no mercado brasileiro algumas perguntas me surgem:
- O que acontecerá com os produtores locais?
- Quais os custos do alho chinês realmente não são considerados para que ele chegue no Brasil mais barato que o produto local? Social? Ambiental? E o transporte?
Outra curiosidade da etiqueta é a frase: “impróprio para plantio”.
Isso significa que o alho é gerado a partir de sementes híbridas (detalhe: a Argentina está plantando com sementes híbridas chinesas), ou seja, sua semente não rebrota. O que acontece é que ela seca e some sem gerar um novo broto. Isso é feito, pois o fato de não rebrotar faz com que a cabeça de alho dure mais tempo e suporte o tempo de transporte e armazenamento necessário para chegar até a casa do consumidor. Por outro lado, é uma semente sem potencial de vida. É estéril, morta.
Fico com as sementes vivas, potenciais! Fico com o alho local! Fico com a cadeia econômica local! E, neste ano, fico com a nossa produção. Não sei quanto tempo durará o que foi plantado, nem em função do consumo, nem em tempo até rebrotar. Estamos aprendendo. Enquanto tiver e der, vou usar. Quando acabar, voltarei a comprar o alho orgânico local.
Para quem não vai à feira, o supermercado vende alho orgânico local. Ele é bem mais caro que o alho híbrido chinês (por questões óbvias). Mas qual o percentual do gasto em alho em seu orçamento total? Por outro lado, qual o impacto em escolher e incentivar a cadeia econômica local? Se você percebe que o percentual é pequeno e o impacto enorme, entre nesta cadeia! E se você curte uma feira orgânica, lá o valor é bem mais em conta. Ou então, faça como nós, plante alho!
20 comentários:
Marcus, gosto de ler teus comentários. Reportam a origem das coisas. E gosto da idéia de cadeia produtiva local. Evidentemente que temos que promover a produção local. Absurda a pegada ecológica de um alho chinês.
Forte abraço
Oscar Kronmeyer
Queridos amigos
Muito perfeito, fui educada colhendo alho, cebola, feijão, melão, melancia e tudo que a mãe terra dá sem pedir nada em troca. Aprendi a trançar com o alho, aprendi a contar com as laranjas, aprendi a ser feliz observando a melancia crescer... Minha emoção perpassa o existir quando leio matéria como a sua. Obrigada!!!
Oscar
Muito obrigado pelo comentário. É isso aí pegada ecológica absurda... :)
Grande abraço, Priya
Travessias do Existir
Comer fruta do pé, colher verduras... uma realidade não tão distante. Confio nesta memória para o resgate da cultura!
Obrigada
Prya, estava no primeiro dia do Ciclo quando nos demos conta que o alho comprado no mercadinho da Estrada da Branquinha (Viamão) vinha da China! e fico muito contente que tenha frutificado, em consciência, mas principalmente, em ações. Parabéns!
Carlos
Carlitos, pois é... beleza, não?! Abraço!
É mais um exemplo de que estamos à mercê do capitalismo "selvagem" globalizado. Obrigado pela informação. Muito bom o blog de vocês. Abraços
Marcão, parabéns cara...vamos tentar viabilizar no nordeste...
Falo em nome da Associação Nacional dos Produtores de Alho - ANAPA: Nossa luta é diária em relação ao gigante chinês... digo isso porque todo ano assitimos a uma avalanche de alho sendo desembaraçado em solo nacional destruindo a produção no Brasil e expulsando milhares de produtores e trabalhadores do campo. Nos anos 90 o Brasil produzia 90% do alho para consumo interno. Em 2011 representamos 30% do mercado. E está certo: devido ao grande número de importações este ano, em 2012 haverá um declínio de 30% de área produzida. Enquanto entidade de classe procuramos o governo, as autoridades e nos mobilizamos para garantir a sobrevivência do setor. O consumidor final tem o direito de saber o que consome e não é isso o que vemos nas gôndolas de supermercados. Uma pesquisa da EMBRAPA já demonstrou que o alho brasileiro contém 40% a mais de alicina que o importado e que para obter sabor similar a 1 dente do alho brasileiro são necessários 5 do chinês. Acessem WWW.ANAPA.COM.BR
Anônimo
Primeiramente, muito obrigada pela contribuição!
Gostaria de ter seu nome e contato para poder divulgar os dados que escreves juntamente com a fonte.
Grande abraço, Priya
Heverton, obrigada pela participação. Abraço
No Japão consome-se muito alho chinês e ele custa 1/5 do preço do alho japonês. Aqui deve acontecer algo parecido.
Anônimo
Obrigado pela visita.
Abraço
Excelentes observações.
Seu trabalho no intento de entender a cadeia produtiva dos itens do nosso cotidiano é louvável.
Ocorre que deveríamos observar também o custo de produção em conjunto com o valor de mercado. Eu pessoalmente acho que em relação ao alho os preços praticados nos mercados é exageradamente alto e neste mercado globalizado o alho chinês e competitivo por conta do preço do produto local. Se observarmos as condições brasileiras (clima, terras, etc.) certamente poderíamos fazer frente à Chima em preços e qualidade de qualquer produto agrícola, mas o Brasil tem se despontado como um país caro (vide as observações de turistas internacionais). Certamente que o produtor não é o único culpado e uma análise desse aspecto abrageria várias áreas (impostos, carga trabalhista, trasnsporte).
Wesley
Obrigada pelo compartilhar.
O ponto que coloco em relação ao alho Chinês é dos custos não internalizados no preço final de produto. E são muitos (sociais, ecológicos, econômicos), as externalidades negativas. Com relação ao alho brasileiro, parece-me que o produtor é a ponta mais frágil da cadeia. Meu contato com os pequenos produtores tem mostrado que a remuneração deles e o menor custo no preço final do produto. Por isso falo na compra direta do produtor.
Claro que outros inúmeros pontos estão em questão. O alimento como commodities fica com um valor fora do real no mundo todo, assim como o petróleo. Creio que em algum momento os valores terão que ser revistos... enquanto isso, passos pequenos vão sendo dados. Creio que pequenos sim, mas com alto impacto positivo. :)
Abração
Quero esse alho!! Por favor, aonde posso encontrar?
Obrigado,
Marlene Lochs.
Marlene
Em que cidade você se encontra?
Abraço, Priya
lendo e se informando.
lendo e se informando.
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