Mexer com a terra, fazer queijo, usar um rolo de massa, morar na primeira capital do estado, acaba acionando memórias que nem sabemos de onde vêm, seculares, celulares. Neste acesso, recebi um presentão, um texto que minha querida tia Marisa escreveu em 1996 resgatando as memórias da infância dela, mas, muito mais do que isso, resgatando as memórias do meu sangue e as memórias dessa terra. Agradeço muito este compartilhar e disponibilizo este resgate para vocês.
Nossos verões e invernos na casa da Tomás Flores, em Caxias, eram comandados com rigor: vovó era enérgica, sóbria, quase severa, e escondia debaixo das roupas muito escuras (desde a morte do vovô Ângelo, muitos, muitos anos antes) seus sentimentos. Levei décadas para entender que a expressão que usava com freqüência para me caracterizar - furba! - era um elogio! Desde cedo, porém, aprendi que era politicamente incorreto vencê-la no crapô, que ela me ensinara e que jogávamos em deliciosa cumplicidade, sob o plátano do pátio superior nas tardes de verão, ou na enorme mesa da sala de jantar no inverno.
Muito mais para Pierina do que para Tereza, vovó era prática e de pouca conversa; expressava-se num português correto, carregado de sotaque, ou no dialeto vêneto de seus pais, oscilação que não me perturbava. Hoje, a lingüista que sou percebe que ela disparava o dialeto toda vez que se emocionava: quando chegávamos ou dizíamos adeus; quando perdia a paciência com nossas incontáveis traquinagens ou nos consolava pelos joelhos arranhados na queda do balanço ou da árvore; quando, aos domingos, reunia a família, os grandes à mesa e os pequenos na cozinha ou no pátio. Às vezes, mesmo pertencendo a esta categoria, eu era convidada a sentar-me à mesa dos grandes, ao lado da cabeceira, e me era permitido usar um talher mínima mas poderosamente distinto dos demais: o garfo arredondado (onde andará ele?) que fora desde sempre do meu padrinho, o tio Hygino. Também às vezes, já maior, vovó me deixava manejar o fio para cortar a polenta invariavelmente servida sobre o tabuleiro redondo, de madeira, com pezinhos, e eu me descobria ágil, competente, grande como ela.
Não havia espaço para o tédio na casa de minha vó Angelina: do sótio (sótão) abafado ao fresco porão, dos jardins à horta, do Moinho à Mecânica, tudo convidava os netos a incontáveis (a)venturas, apenas interrompidas (sempre antes da hora, parecia-nos) pela fiel Catarina, que nos convocava para almoço, jantar ou banho. Pouco nos era permitido ir ao sótão, local misterioso onde se alinhavam em perfeita harmonia e ordem as cinco camas de meus tios-crianças, e os baús onde jaziam sobras de sua infância e adolescência. Ali eu me movia com passos leves, com respeito até, como se os ruídos pudessem despertar fantasmas ou, mais praticamente, perturbar os “grandes” que conversavam na varanda, sob meus pés. Já o porão, ah, o porão era outra história. Quando suas portas se abriam, abria-se o Mundo: o amplo dormitório que poucos podiam utilizar (era reservado ao Tatim e à tia Norah, os quais, talvez por estarem sempre distantes, eram tratados com especial deferência), a escura e úmida adega, e o “quartinho”, local de múltiplos e estranhos guardados: ferramentas enferrujadas, fotos muito antigas, cabideiros com espelhos embaçados e mais um sem número de objetos de obscura utilidade. Este era uma espécie de “Santo dos Santos”, onde só podíamos entrar acompanhados, porque “podia ser muito perigoso”. Às vezes seqüestrávamos a chave e nele sorrateiramente nos fechávamos. Nesses momentos, eu morria de medo de ali ficar para sempre presa, iluminada apenas pelo facho de luz empoeirada que a pequena e alta clarabóia deixava escapar; ainda assim, o fascínio pelo proibido e perigoso me empurrava pela estreita porta, e ali permanecíamos até que a vigilante Catarina, desconfiada com tanto silêncio, estragasse nossa festa. Já o dormitório era mais acessível. Nas tardes de verão podíamos brincar ali por longas horas, vestindo as antigas e preciosas peças que se abrigavam nos dois roupeiros: os uniformess dos meus tios, o chinelinho de salto, de cetim bordado, de minha mãe-noiva, trajes de gala, vestidos de aia e noiva, buquês amarelados e, sobretudo, os véus, os filós, as fantasias de cetim colorido, lindíssimas, que meus pais e tios haviam usado em inesquecíveis carnavais e agora descansavam em enormes baús. Lembro das minhas preferidas: pierrô, arlequim e colombina - por elas, poderia me engalfinhar com irmão e primos, com direito a chantagem e tudo. Havia também coroas, adereços para os cabelos, flores e “jóias”. Assim vestidos, improvisávamos e interpretávamos histórias de aventura, coragem, drama e paixão, cujos personagens faziam e desfaziam alianças e traçavam seu sempre empolgante destino conforme o humor do momento.
Pela manhã, podia haver o ritual de colher ovos no galinheiro, e verduras, legumes e frutas na horta. Adorava ver os moranguinhos crescerem dia a dia, e comer as cenouras recém arrancadas da terra, ou as uvas escolhidas no parreiral. Algumas vezes na semana (ou uma só vez?) a Catarina assava pães no que me parecia estão uma grande fornalha. Nessas ocasiões, se não estivesse muito ocupada, minha mãe me ensinava a moldar figuras com a massa. Eu preferia as pombinhas, de todos os tamanhos, com seu rabinho levantado e olhinhos de feijão. Hoje percebo que, desde o levedar da massa, os cuidados com a temperatura e o possível “vento encanado”, o cálculo do ponto exato de levar os pães na enorme espátula ao forno e dele retirá-los, até o instante de servi-los, muitas vezes quentinhos, à grande família, o que fazíamos ali era, muito mais do que pão, uma celebração da vida.
Em dias especiais, descia com vovó ou Catarina para colher flores no amplo jardim cercado. Não gostava muito dos copos-de-leite ou das cristas-de-galo: preferia as ervilhas-de-cheiro, as bocas-de-leão; tinha fascínio pelos enormes e aveludados amores-perfeitos, pelas rosas biscuit (eu tinha uma roseira só minha!), e não dispensava os mosquitinhos. Acompanhava o desenvolvimento das flores e me encantava com as imensas rosas que bordavam as paredões e se esparramavam sobre os muros externos - parece que as chamavam rosas de Santa Terezinha, será verdade?
Quando se esgotavam as possibilidades de brinquedo em casa, tomávamos de assalto o moinho e, burlando a segurança, brincávamos de esconder (poderia haver lugar mais adequado?) e literalmente nadávamos no milho dos depósitos. Mas bom, mesmo, era ficar nas salas próximas ao escritório, onde eu podia, conforme o humor do funcionário ou tio de plantão, fechar saquinhos de farinha Neve com goma arábica, extrair notas e até mesmo vender mercadorias aos colonos que vinham de muitas partes, a cavalo, de aranha ou carreta, e chegavam contando casos e fumando palheiros. Nesse reino destacava-se o tio Vítor, que com extrema paciência me ensinava a usar a balança, fazer contas, dar o troco, preencher notas. Desconfio que ele, como os demais, tinha especiais atenções comigo, talvez por ser tão mirradinha, ou passar o restante do ano longe, ou por ser a primeira neta/sobrinha mulher, não sei. Não importa a razão; o fato é que sempre me senti, entre meus tios, amada e aceita, muito embora quase todos me chamassem de trapel...
Em raras ocasiões, quase sempre com meu pai ou tio Ítalo, eu podia entrar na Mecânica e ver de perto as máquinas funcionando, produzindo porcas e parafusos de todos os calibres. Era um lugar fascinante, embora reservado: as máquinas e as rebarbas de metal podiam, realmente, ser um perigo mas, de mão com meu pai, ou na enorme sombra do grande tio grande, eu me sentia segura. Aliás, a impressão mais forte que tenho deste tio querido é esta: determinação e força. A mesma que estimulou-o a copiar livro(s) inteiro(s) (?) de seus colegas quando, após a morte do vovô, não havia soldi para o material escolar. Não sei o quanto esta história tem de lenda, mas a verdade é que, de todo modo, combina com ele.
Freqüentemente eu ia à casa de meus tios. Com tia Ilka aprendi a confeitar maravilhosos bolos artísticos, e ouvi fascinada as histórias que ela nos contava ou lia. Sua casa, com umas coluninhas redondas coloridas (dentro ou fora?) cheirava a doces aromas - baunilha, amêndoa, cravo, coco. Na tia Luíza - antes na casa antiga, de madeira, depois na parte superior do sobrado, podia rir ou cantar com o amistoso tio Hugo, ou me deliciar com as compotas e doces caseiros que a tia preparava com perfeição. O cheiro ali era doce, também, mas distinto, um pouco mais germânico, parece. Na tia Lyra, eu me encantava com a sua sensibilidade e capricho (ainda hoje posso vê-la próxima à ampla janela da cozinha, preparando com uma tesourinha as uvas que nos serviria na janta), e fui apresentada, pelo tio Carlito, à National Geographic, entre tantas outras revistas que o seu amigo distribuidor (seria LaPorta?) lhe enviava. Descobri com eles que aprender fora da escola podia ser um barato. Sua casa cheirava a cultura, papel, letras, sândalo. Na tia Zaidinha, o aroma era de incenso e café com leite, que era tomado com crostoli, e mais galinhas, e polentas, e massas, e molhos, e feijão, que era preciso alimentar aquele batalhão de pestinhas (inclusive Carlos e eu), e não havia tempo a perder. Acima de tudo, rezávamos, na tia Zaidinha: novenas, terços, ladainhas, jaculatórias intermináveis desafiavam minha (im)paciência infantil e me provocavam o riso nos momentos mais impróprios e por nenhuma razão - bastava olhar para a Mari, ou receber uma cutucada (certamente do Celso, que o Ênio procurava ser mais “sério”). Nesses momentos, tia Zaidinha ou a mãe me mandavam puxar o terço, o que me obrigava, subita e provisoriamente, a mudar de lado. Assim aprendi os mistérios do Rosário - com dificuldade, é claro, porque não conseguia memorizar os “dolorosos”, e sempre tinha de dar uma espiadinha no livrinho. Nas noites de temporal, ocasião em que sempre faltava luz, queimavam-se palmas bentas do Domingo de Ramos e rezava-se para Santa Bárbara, ritual que, em lugar de me tranqüilizar, causava-me o mais profundo pavor, especialmente se ocorria de os bombeiros ou a polícia, que habitavam o andar térreo do prédio, saírem com as sirenas ligadas para atender a algum chamado. Nesses momentos, arrependia-me piamente, embora em vão, de meus muitos e graves pecados. Hoje, considero a generosidade e paciência de minha tia, a cujos seis filhos se somavam outros tantos, que ela acolhia com igual cuidado.
Quando o tio Hygino e tia Norah chegavam, em geral no meio das férias, a festa ficava completa: vovó se adoçava e ficava mais permissiva, a família toda se reunia, atividades novas eram propostas - um piquenique no Parque (como é mesmo o nome? Centenário? Acho que sim - era aquele na entrada da cidade, quem vem de Farroupilha, e tem (tinha) enormes leões de pedra no portal), uma noite de música, ou de víspora, ou de sete-meio, um almoço ao ar livre, no pátio de baixo, ao lado do jardim. Lembro um deles, em que o tio, sempre engenhoso, improvisou uma cesta amarrada a lençóis, na qual colocávamos os pratos, e que fazíamos descer pela janela do quarto da Catarina. Suponho que o trabalho de engendrar a solução era maior do que subir e descer trezentas vezes a escada mas... quem se importava? Era uma aventura fazer a cesta chegar lá embaixo sem derrubar o frágil conteúdo! Aliás, sobre o tio Hygino e a tia Norah tenho muito a dizer, mas terá de ser em outra ocasião, que eles merecem um texto só para si.
Com freqüência chegavam visitas, que eu enfrentava com especial renitência, porque elas interrompiam minhas brincadeiras, faziam-me tomar banho fora de hora e, sobretudo, obrigavam-me a agir como “uma mocinha”. Varda como è bela!, e o sapato apertando, e a Mari me esperando, que aflição. Mas havia compensações: vovó me mandava servir gasosa (gazoza?) nas taças de champanhe, ou licor em delicados cálices, acompanhados de broinhas ou, quando havia sobrando, da torta de nozes da Catarina. Depois, voltava a tortura de “fazer sala” e me comportar como “se deve”, que o prestígio de educadora da mãezinha estava em jogo. Às vezes, raramente, esta não se recusava a entender meu olhar súplice e inventava uma desculpa para me liberar.
Páscoa e Natal interrompiam a nada enfadonha rotina. Da Páscoa, lembro-me especialmente das intermináveis cerimônias religiosas, nas quais meu irresistível sono era perturbado pelo ruído surdo e intrigante das matracas. Recordo também nitidamente as visitas ao Senhor Morto, na Igreja do Santo Sepulcro, na Júlio, lá muito adiante, antes de subir para o monumento. Eu gostava de ficar diante da figura patética de Jesus, conversando com ele, tentando aliviar sua dor com promessas de perfeito comportamento e incontáveis boas ações, e era capaz de me emocionar até as lágrimas com a dor extrema que pressentia em sua Mãe, sobre ele curvada. Nesses dias, não se brincava tanto, não se ouvia música, não se cantava; em compensação, o Domingo de Aleluia nos reunia a todos na mais legítima alegria. Mas, muito mais especiais eram os natais. Apesar da sisudez dos dias do Advento, a festa era preparada minuciosamente - abundantes comidas, doces variados, muito vinho, que nós, os pequenos, podíamos tomar batizado com água e açúcar. A sala de visitas e a porta da frente se abriam generosamente e ali, no canto direito, preparávamos o pinheirinho (na verdade, um pinheirão, que ninguém ainda se preocupava com detalhes tais como preservar as árvores, até porque se plantava mais do que se abatia) e o presépio. Para o meu pequeno tamanho, o presépio era enorme e muito, muito bonito. Em algumas ocasiões, era chamado um funcionário do moinho (quem seria?), o qual milagrosamente instalava luzinhas multicoloridas (será?) e fazia funcionar, com água mesmo, a roda do moinho. Todos os dias movíamos as figuras na direção da mangedoura, cada vez mais próximas do Menino. Desse presépio, tenho comigo alguns patinhos de cerâmica, que a generosidade de alguém fez chegar às minhas mãos após a morte da vovó, e que desde então habitam o nosso presépio. Mesmo com tanta excitação, era fogo ficar acordada para a Missa do Galo que, mesmo linda, parecia interminável, pois era urgente dormir para acordar muito cedo e procurar debaixo da cama o presente esperado. Lembro dois em especial: a Tita, boneca negra que ganhei da tia Norah, e outra, do meu tamanho, que um papai-noel-pai menos “apertado” me trouxe. Perderam-se elas, possivelmente destruídas por tanto uso, mas permanecem na minha lembrança tão vivas quanto no dia em que as ganhei.
Fora de casa também podia haver muita diversão: carrinho de lomba (especialidade dos guris), patinete, saltos em altura e distância, sapata, passeios com nossos “filhos” na calçada (lembras, Mari?). Mais longe, podíamos eventualmente apanhar frutas nos pomares vizinhos, ou arriscar-nos até os trilhos do trem. Para se dobrar a esquina ou atravessar a rua, porém, precisávamos de permissão expressa, e de tempos em tempos devíamos nos apresentar ao general de plantão - vovó, minha mãe, Catarina - para mostrar que estávamos inteiros.
Mais distante, havia também o que fazer: visitar a vovó Marieta (primeiro e indispensável compromisso) e sua indispensável Comareta, cujo verdadeiro nome até hoje desconheço, e cuja aparência tão frágil me intrigava, especialmente pelo contraste que fazia com a volumosa bisavó; ou a doce tia Mila, que cantava divinamente (eu tinha um medo danado do tonitroante tio Pedro, coitado); ou ainda a tia Olga. Nesta, as tardes eram longuíssimas, porque ela e minha mãe pareciam nunca esgotar os assuntos, mas eu gostava assim mesmo, porque brincava com a Suzana e a Heloísa. Passeios ao moinho velho, às cidades próximas - Ana Rech, Farroupilha, Bento, Galópolis, eram verdadeiras excursões, especialmente quando feitas no Vanguard do pai, que não era de confiança, mas as viagens me enjoavam um tanto, e eu bem preferia ficar em casa, no reino da vovó. Não há como esquecer as visitas ao cemitério, especialmente no Dia de Finados, quando o programa era acompanhar a vovó, o dia inteiro sentada à sombra, à esquerda de quem olhava “o vovô”. Divertíamo-nos à beça, a Mari e eu, ainda que disfarçadamente. A escapada estratégica era “visitar a tia Luíza”, que velava o túmulo da Dona Frida (um grandioso mausoléu, por sinal), no alto da colina em frente. Tendo sorte, podíamos encontrar o outro clã Corsetti - principalmente a Pina e a Diva, e também o Joanim, que era Burtet e a quem eu adorava. Além disso, eu gostava de observar os túmulos: as datas, os retratos, os laços de parentesco, o comportamento mais ou menos compungido dos familiares atiçavam minha fantasia, e eu imaginava amores interrompidos, crianças tragicamente perdidas, lutos intermináveis. Se eu quisesse desgraças, teria de imaginar, mesmo, porque nossa vida doméstica era feita mais de alegrias do que de tristezas.
Nem tudo foram flores, é claro. Havia as preocupações com os negócios, as longas reuniões dos “homens” à volta da mesa da varanda (momento em que as mulheres sumiam e as crianças se recolhiam, e do qual me lembro apenas de minha ansiedade, do medo de que algo estivesse profundamente errado, e do meu alívio ao ver que tudo acabava bem mais uma vez, que as altas vozes eram por conta do sangue quente, e tudo estava bem novamente. Ah, e lembro também da palavra quota, com certeza o vocábulo mais utilizado...). Havia igualmente brigas entre as crianças, que as mães, hoje entendo bem, faziam malabarismos políticos para contornar, e havia os resmungos da Catarina - querida - que certamente chegava à exaustão com tanto movimento. Houve também o terrível Natal em que vimos o moinho ser destruído pelo fogo, e lembro que me refugiei no peito da mãe, apavorada com as chamas que o vento carregava e ameaçavam atingir a casa. Pensando bem, possivelmente ocorriam pequenas ou grandes dores particulares, das quais eu era poupada. Mas, apesar do temperamento passional, não registro conflitos insuperáveis, nem desesperos maiores, a não ser quando vovó e o pai combinaram de partir juntos e esqueceram de nos avisar. Aí, a dose foi demasiada, e a recuperação, muito lenta. Se aconteceram conflitos outros, esqueci. Lembro, sim, uma enorme e calorosa família, sempre pronta a unir-se para ajudar o necessitado do momento. Lembro, em todos e em toda parte, muita vida, muita emoção, muita vontade de somar as diferenças, que eram, lógica e felizmente, inúmeras.
O passar do tempo e as minhas contingências de adolescente afastaram-me da velha casa. Estudei, namorei, casei, tive filhos; voltei a estudar, me profissionalizei; meus filhos ficaram adultos e tornaram-se meus melhores amigos; descasei. Vovô, vovó, tio Hugo, meu pai, Heloísa, há tempo habitam um lugar luminoso, onde a felicidade e a alegria não terminam. Meus tios embranqueceram, também o Carlos, meus primos (suponho, preciso conferir), e eu. Multiplicamos generosamente a família, e nos espalhamos por muitos lugares. Mas eu estou feliz - posso senti-los todos bem próximos de mim, e vejo claramente vovô Ângelo e vovó Angelina orgulhosos de sua prole.
A Festa da Uva está terminando, o Qu4trilho não ganhou o Oscar, mas nada disso importa muito, pois sinto-me ligada às minhas raízes como nunca, e também nunca me senti tão perto de Deus. Amo a cada um com carinho muito particular, mesmo os que não vejo há muitos, muitos anos. Por isso, para vocês - Ângelo, Angelina, meu pai, minha mãe, Caquinho, Ítalo, Zaidinha, Hugo, Luíza, Hygino, Norah, Carlito, Lyra, Vitor, Ilka, Ênio, Mari, Celso, Lucy, Mário, Neneca, Paulo, Maria Elisa, Carlos Henrique, Bel, Dalva, Álvaro, Heloísa, Cenira, Ricardo, Zezinho, Marília, Ângelo, Catarina, estas breves memórias, que também são um pouco de cada um.
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